A formação de Psicanalista
- Instituto de Psicanálise
- 1 de jul. de 2018
- 5 min de leitura

A preocupação com a formação de psicanalistas surgiu para Freud logo no início da fundação da psicanálise. Inicialmente, ele deparou o desafio de conquistar para esse novo campo de conhecimento um grupo de seguidores entusiastas que pudesse dar continuidade à sua obra. Isso foi viabilizado na medida em que alguns médicos se interessaram por esse conhecimento. Contudo, isso não poderia ser suficiente, pois além de transmitir um conhecimento teórico, se tornara necessário a Freud transmitir aos novos interessados as experiências subjetivas pelas quais ele próprio havia passado em sua autoanálise. Como conseguir que os outros interessados na psicanálise como campo de conhecimento e profissão adquirissem compreensão dos insights clínicos que ele próprio – Freud - havia tido? Essa questão foi reconhecida como central.
Dessa questão central decorreu também outra secundária, relativa à compreensão da teoria por meio de insight, que por isso mesmo, só pode ser subjetivo. Ficou evidente que a própria teoria só pode ser compreendida com suficiente profundidade se ela faz sentido psicológico para o pretenso psicanalista por ser reconhecida nas suas próprias experiências clínicas.
Uma coisa é o saber teórico do trauma, complexo de castração, complexo de Édipo, narcisismo, neurose, perversão e angústia, inveja do pênis para as mulheres, movimentos pulsionais e fixações da pulsão parcial, processos de escolha objetal em dois tempos, sexual e de identificação, potencial da associação livre, movimentos transferenciais, compreensão da função do sonhar, bem como em outro sentido, o saber teórico da contratransferência e abstinência. Mas outra coisa é reconhecer todo esse campo teórico fazendo parte das próprias vivências do pretenso psicanalista. Sim, toda a teoria precisa ser percebida no Si Mesmo e se isso não acontece, não surge um psicanalista; surge quando muito um teórico que nas situações dramáticas da clínica não terá como captar por meio da atenção flutuante o quê de fato se passa com o sujeito da análise. E será um teórico capenga!
Todo esse debate leva a psicanálise a uma terceira questão, também central: Quem está capacitado a transmitir a psicanálise?
Veja-se que o primeiro transmissor da psicanálise foi Freud e que os transmissores que vieram logo depois, foram preparados para essa função pelo próprio Freud por meio dos seminários das quartas-feiras em que ele promovia debates teórico-clínicos, ao que eram agregados outros compromissos:
a) leituras; b) produção de textos relativos às próprias experiências clínicas e às reflexões teóricas decorrentes das leituras realizadas; c) análise pessoal feita junto a um psicanalista; d) supervisão da própria prática clínica realizada também junto a um psicanalista.
Esse conjunto de compromissos foi logo arranjado ou estruturado sob o incentivo do próprio Freud por meio de um trabalho que reuniu seus principais seguidores.
Determinaram requisitos mínimos por perceberem as dificuldades ou deficiências dos candidatos e os riscos de perda da qualidade da formação psicanalítica.
Nesse processo de estruturação houve que reconhecer que a psicanálise não pode ser considerada uma especialidade médica bem como que não pode ser confundida com a psicologia que não reconhece os conceitos e compromissos estruturantes desse campo, suportados pelo reconhecimento da existência do Inconsciente. Também houve que afirmar que não seria necessário ser médico para tornar-se psicanalista, mas seria necessário ter formação cultural que possibilitasse lidar com as diversas questões da cultura que se manifestam na clínica.
Houve também que esclarecer que o estudo teórico da psicanálise poderia ser realizado na Universidade além de o ser na Instituição Psicanalítica (na época existia somente a IPA com suas filiadas), porém o estudo na Universidade não seria suficiente, carecendo o pretenso psicanalista de manter interlocução com a Instituição Psicanalítica, onde encontraria psicanalistas experientes que poderiam propiciar-lhe conhecimentos que somente podem ser adquiridos mediante encontros intersubjetivos (na pessoalidade). Lembrando que essa possibilidade não exclui a necessidade de realizar análise pessoal e submeter a própria prática clínica à supervisão de um psicanalista experiente.
A evolução desse debate levou a IPA e estabelecer critérios relativos à obtenção dos conhecimentos que elencamos até agora. Esses critérios estabelecem que para a formação de novos psicanalistas, deve ser cumprida em princípio a seguinte sequência:
1. Análise pessoal (por tempo suficiente para resolução de suas próprias dificuldades e sofrimentos de caráter analítico, complexos em geral, realizada com psicanalista experiente, devendo ser realizadas no início, em princípio, três sessões por semana, quantidade essa que pode ser reduzida na medida do desenvolvimento da própria analise);
2. Estudos teóricos;
3. Prática clínica supervisionada (a prática deve ser supervisionada em sequência por pelo menos dois psicanalistas experientes e completar pelo menos 200 horas);
4. Participação em encontros teórico-clínicos;
5. Preparação e apresentação de trabalhos teórico-clínicos (são exigidos trabalhos teórico-clínicos de modo que seja coberta parte relevante do campo teórico e da experiência pessoal);
6. Preparação e apresentação de um trabalho final, de caráter teórico-clínico, que envolve também a própria análise pessoal, versando sobre todo o percurso da formação, o qual será avaliado por psicanalistas visando o reconhecimento de que o título de psicanalista pode ser usado pelo candidato.
Admite-se que um percurso de formação assim estabelecido não consegue ser cumprido em tempo inferior a 4 anos. A International Federation of Psychoanalytic Societies - IFPS também exige o cumprimento desse percurso. As sociedades de psicanálise vinculadas à IPA e à IFPS devem exigir dos candidatos esses compromissos.
O início de uma formação psicanalítica pode realizar-se na Universidade, mas terá sido esclarecido que sua completude não é alcançada nessa instituição. Um início pode acontecer mediante um curso de pós-graduação lato sensu ou stricto sensu, mas tal curso tenderá a ser meramente teórico, mesmo que inclua atividades clínicas, por faltar a interlocução com o saber psicanalítico transmitido através das gerações de psicanalistas.
Neste momento cabe alertar ao leitor que no percurso de formação não surge a concessão de um diploma de psicanalista nem de uma carteira de psicanalista. A Instituição Psicanalítica não aceita submeter-se a padrões institucionais que venham submeter a psicanálise a diretrizes que possam comprometer a própria prática do psicanalista no seu encontro clínico com seu paciente, desviando-a de seus princípios éticos que estão suportados no respeito à subjetividade. Contudo, o psicanalista só pode ser aceito e reconhecido por si mesmo e por seus pares psicanalistas, nunca por um documento e se os pares não o reconhecerem, o pretenso psicanalista não conseguirá reconhecer-se como tal.
Temos na atualidade algumas condições novas que produzem outras propostas de formação, usando recursos da Internet e tecnologia da Informação bem como submetidas a novas lógicas sociais/culturais que confrontam o saber reconhecido da Instituição Psicanalítica. Nesse sentido, ressaltamos que não existe psicanálise virtual nem psicanálise religiosa, nem psicanálise submetida a ideologias. Sempre que surge algo assim, está havendo desvio da psicanálise e surge outra coisa que deixa de ser psicanálise.
Também na atualidade, contamos com o surgimento de instituições pretensamente psicanalíticas, fundadas por pessoas que não cumpriram o percurso psicanalítico tal como o apresentamos anteriormente e que prometem fornecer uma formação psicanalítica que se distancia de tudo que apresentamos anteriormente.
A esse respeito, colocamos a nossa preocupação com as consequências desses desvios, pois tendem a desacreditar a psicanálise, e afirmamos que esta não deve ser responsabilizada pelos desvios dos não-psicanalisas, que são tantos enquanto são tantos também os desvios e tantos os iludidos.
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Dr. Juan Adolfo Brandt
Economista e Psicólogo.
Psicanalista Titular: Instituto de Pesquisa em Psicopatologia e Psicanálise – IpePP Brasília
Individual Member of International Federation of Psychoanalytic Societies - IFPS
Mestre e Doutor em Psicologia Social pela USP
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